"A ciência estuda a estranha doença que leva as pessoas a dormir por até 30 dias seguidos. Infecções virais
e causas genéticas podem estar por trás dos surtos"
A estudante britânica Louise Ball, 18 anos, pode ficar em um estado
profundo de sonolência por até dez dias – quando não dorme seguidamente
nesse período. A rotina é acompanhada pelos pais com angústia. Eles só
conseguem acordá-la para que coma ou vá ao banheiro. A também inglesa
Poppy Shingleton, 25 anos, já passou seu aniversário de 18 anos dormindo
e, em outro ano, perdeu o Natal e o Ano-Novo porque estava adormecida.
Situação semelhante passa o promotor de vendas paranaense Elizeu
Domingues, 22 anos. Ele chegou a dormir por um mês seguido. “Quando
acordei, fiquei ainda uma semana tonto. Não lembrava de nada”, conta.
Os três são portadores da Síndrome de Kleine-Levin (SKL), chamada
também de síndrome da Bela Adormecida. A doença é rara e conta com mil
casos conhecidos no mundo. Seu diagnóstico é difícil e geralmente é
dado quando são descartadas outras hipóteses. “Não há um teste
específico e o único dado que podemos assegurar é que a condição não é
muito comum”, disse à ISTOÉ Tom Rico, coordenador do Centro de
Narcolepsia da Universidade de Stanford (EUA) e um dos porta-vozes da
Fundação Kleine-Levin, que ajuda portadores da síndrome em todo o mundo.
A doença costuma surgir entre o meio e o fim da adolescência e
apresenta três sintomas recorrentes: hiperfagia (compulsão por comida),
hipersexualidade e hipersônia (sono excessivo). Os doentes também podem
ter crises de agressividade. Esses sintomas nem sempre estão presentes
em todos os casos. “Realizamos o diagnóstico porque raramente o paciente
apresenta os mesmos sintomas quando não está em crise”, explica a
neurologista Dalva Poyares, do Instituto do Sono e da Universidade
Federal de São Paulo. “Em surto, ele entra em estado psicótico, perde o
contato com a realidade.”
O paranaense Elizeu domingues chegou a dormir por um mês inteiro. Quando acordou, não se lembrava de nada.
Um estudo da Universidade de Brasília relata o caso de um garoto de
16 anos que chegou à unidade psiquiátrica com diagnóstico de
esquizofrenia. A hipersônia, no entanto, não estava muito clara. No
texto, os médicos descrevem a dificuldade de se chegar a um diagnóstico,
já que o paciente também apresentava insônia, provavelmente deflagrada
por estresse, amnésia e delírio persecutório. “O atraso para um
diagnóstico como esse pode chegar a quatro anos”, escrevem. “A ausência
de um episódio de sono profundo durante um longo período dificulta o
diagnóstico correto”, explica Rico.
De fato, é mais comum que as pessoas procurem ajuda quando a
hipersônia é diagnosticada. “O sono é um dos sinais mais preocupantes
identificados pelos familiares porque a pessoa passa a ter pouco contato
com os outros”, explica Dalva. É por isso que a doença é registrada e
tratada geralmente em instituições especializadas em distúrbios do sono.
Em São Paulo, o Instituto do Sono é uma das instituições procuradas.
“Já me deparei com oito casos da doença”, explica Dalva.
Poppy shingleton já passou seu aniversário de 18 anos dormindo e perdeu natal e ano novo porque ficou adormecida mais de uma semana.
Não há um tratamento específico. Dependendo dos sintomas,
antidepressivos e estimulantes podem ser administrados. A literatura
médica indica remissão espontânea da doença em oito anos, com ou sem
tratamento. “Não tomo remédios para evitar e hoje me sinto mais
preparado para os episódios”, diz Domingues.
Também a ciência registrou alguns gatilhos que podem deflagrar as
crises. No estudo de Brasília, o garoto manifestou as primeiras
alterações de comportamento depois de passar por um abalo emocional – a
namorada ficou grávida e perdeu o bebê. Já Louise teve o primeiro surto
depois de uma gripe forte. Acredita-se que uma disfunção do hipotálamo,
estrutura cerebral que regula funções como o sono, a sexualidade e a
temperatura do corpo, esteja por trás dos surtos.
Agora, o que a ciência tenta explicar com estudos mais complexos é
por que especificamente essas pessoas desenvolveram a enfermidade. Um
estudo da Universidade de Kumamoto, na província de Kumamoto (Japão),
publicado recentemente, aponta para causas genéticas. O texto descreve a
síndrome em dois irmãos gêmeos monozigóticos (gerados a partir de um
único óvulo). Os primeiros sintomas ocorreram na mesma idade e todas as
crises foram precedidas de algum episódio viral, como no caso de
Louisie. Outras teorias sobre as causas genéticas da doença envolvem
populações inteiras. “Há registros de alta prevalência entre a população
asquenase (judeus vindos da Europa Central e Oriental)”, diz Tom Rico,
de Stanford. Fonte: istoe.com.br
Assista este vídeo exibido no Fantástico sobre esta síndrome no Brasil:
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