"Estamos regularmente sujeitos a feridas
psicológicas comuns, como a rejeição ou fracasso, assim como fazemos
feridas físicas, tais como cortes ou arranhões"
Mas enquanto estamos
extremamente conscientes da necessidade de tratar as feridas físicas,
assim que elas ocorrem, quando se trata dos nossos danos psicológicos,
estranhamente, na grande maioria das vezes ficamos apáticos. Se nos
cortamos, não ficamos andando passivamente enquanto vamos sangrando.
Reconhecemos que ignorar o corte pode provocar infecção, prolongando e
aumentando a dor que sentimos. Limpamos a ferida, aplicamos pomada
antibacteriana, e fazemos um curativo porque sabemos que vai acelerar o
processo de cura, reduzindo o nosso desconforto imediato, e evitando que
uma lesão pequena se transforme numa maior.
Mas quando se trata de feridas psicológicas
comuns, não temos essa consciência preventiva e curativa. Geralmente
não sentimos a necessidade de limpar a ferida psicológica, nenhuma
urgência para dar-lhe atenção, não temos medo que essa pequena
debilidade psicológica se transforme num problema maior. Sendo que, as
feridas psicológicas apresentam exatamente os mesmos riscos para o
nosso bem-estar emocional que as feridas físicas apresentam para a nossa
saúde física. As feridas psicológicas também podem tornar-se
“infetadas” se as ignorarmos. Também levarão mais tempo a cicatrizar se
não cuidarmos delas. Também vão continuar a doer se não aplicarmos
curativos emocionais equivalentes às pomadas e curativos.
Danos psicológicos comuns que enfrentamos na vida diária
Não corremos para o médico cada vez que
temos uma tosse, um arranhão, ou um incômodo no estômago. Costumamos
tratar essas coisas em nossas casas. Claro que, se não ficarmos melhor,
acabamos por ir ao médico. Mas a grande maioria do tempo, somos
perfeitamente capazes de recuperar a nossa saúde, sem intervenção médica
profissional. O mesmo é verdadeiro quando se trata de pequenos danos
psicológicos. Se aplicarmos primeiros socorros emocionais quando somos
alvo de um abalo psicológico, devemos ser capazes de recuperar a saúde
emocional sem a assistência de um profissional de saúde mental.
Em seguida apresento sete feridas psicológicas comuns que podem exigir primeiros socorros emocionais:
1. Rejeição: A
todo o momento podemos ser rejeitados de alguma forma. Por um sócio,
pelo empregador, amigos, cônjuges, entre outros. As rejeições são os
cortes e arranhões emocionais da vida diária. Podemos desenvolver a
crença que não somos pessoas desejadas ou com valor suficiente.
2. Falha: Frequentemente
não conseguimos atingir os nossos objetivos ou ficamos aquém do
desejado. Uma má nota no teste da escola, não terminámos uma tarefa a
tempo, esquecemos um compromisso importante. As falhas ou fracassos são
como resfriados emocionais que, quando não tratados, podem
transformar-se em “pneumonias” psicológicas. Ou seja, debilitamos a
confiança na nossa imagem e por vezes nas nossas habilidades e
competências.
3. Solidão:
Todos nós temos períodos em que nos sentimos sós, como se os nossos
relacionamentos e interação com os outros não estivessem a cumprir as
nossas necessidades emocionais. O problema é que quanto mais nos
sentimos sós e desconectados, mais enfraquecemos os nossos “músculos” do
relacionamento. Podemos desenvolver a ideia de que não temos capacidade
para criar conexões significativas com os outros, ou que os outros não
valem o nosso investimento neles. Isso cria a ideia da separação e
isolamento. Nós desenvolvemo-nos através do contato e interação, se
ficarmos privados disso, certamente o equilíbrio emocional será afetado
negativamente.
4. Perda: Regularmente
experimentamos perdas na vida. Um ente querido que morre, um amigo que
vai viver para outra cidade, os nossos filhos deixam de viver em
nossa casa, ou o nosso animal de estimação favorito morre. A forma
como reconstruímos as nossas vidas depois de uma perda pode determinar
se emergimos mais fortes emocionalmente, ou psicologicamente mais
fracos.
5. Preocupação e ruminação:
É fácil ficar preso em ciclos de preocupação ruminando naquilo que
sentimos, impelindo-nos a ficar imersos em sentimentos de tristeza ou
irritação, sendo difícil pensar em qualquer outra coisa. Mas isso é
como cutucar as nossas cicatrizes emocionais, não lhes permitindo curar.
6. Culpa: Quando
passamos várias horas por semana ruminando na culpa, quando isso se
torna excessivo, a nossa atenção é sequestrada ficando difícil
concentrarmo-nos no trabalho e em todas as nossas responsabilidades. O sentimento de culpa persistente pode envenenar os nossos relacionamentos mais significativos e, às vezes, afetar todas as áreas da vida.
7. Baixa autoestima: Por
vezes passamos por períodos de baixa autoestima. Nesses dias em que nos
sentimos incrivelmente para baixo, temos tendência para acionar a
autocrítica negativa colocando as nossas capacidades e valor pessoal em
causa. Ter baixa autoestima é como ter um sistema imunológico emocional
debilitado. Torna-nos mais vulneráveis e mais propícios a agravar as
feridas psicológicas existentes.
Como uma ferida psicológica pode provocar outras?

Este
é apenas um exemplo, nem sempre as coisas tomam as proporções
referidas, mas certamente a vulnerabilidade psicológica não tratada
tende a promover outros problemas associados. Tratar os nossos danos
psicológicos assim que eles ocorrem pode evitar este efeito cascata e
minimizar a probabilidade de pequenas problemas se acumularem e
tornarem-se muito piores com o passar do tempo.
Aplicar os primeiros socorros emocionais nos danos psicológicos
O primeiro passo no
tratamento de feridas psicológicas começa com o desenvolvimento
da consciência daquilo que é preciso fazer para recuperarmos do
problema. A forma mais comum de “tratamento” que normalmente se aplica
quando sentimos dor emocional, é ventilar os nossos sentimentos. Isso
pode ser feito, reservando um momento e lugar para expressarmos aquilo
que sentimos, seja através do choro ou da consciência do impacto
negativo que está a ter no ânimo, motivação e autoestima. Para ajudar
neste processo, por vezes, algumas pessoas sentem-se confortáveis a
conversar com um amigo ou com um ente querido sobre o assunto. Mas vamos
ser honestos, esses amigos são extremamente raros.
O segundo passo é ajudar a si mesmo a acalmar as suas próprias feridas psicológicas, acalmando a sua própria dor emocional, interrompendo os ciclos de pensamentos prejudiciais que ecoam na sua mente, ou reconstruir sentimentos de autoestima e autoconfiança.
Para ajudar neste processo importa que você tome consciência do seu
corpo, mais propriamente em que zona do seu corpo você sente as emoções
negativas. Entre em sintonia com as sensações do seu corpo. Foque a sua
atenção nas sensações que o seu corpo lhe proporciona. Por vezes
são sensações desagradáveis, mesmo assim tente perceber a sua
localização para que conscientemente possa aliviar o incômodo. As nossas
emoções estão estreitamente alinhadas com as sensações físicas sentidas
nos nossos corpos. Quando você experimenta uma emoção forte, você
provavelmente também sente isso em algum lugar no seu corpo.
Você sente tensão e incômodo em alguma
parte do seu corpo? Borboletas ou náuseas no estômago? Nó na garganta?
Peso nos olhos? Ou, talvez uma sensação de dormência? Registre o tipo de
sensação que o incomoda, identificando igualmente qual a parte do corpo
em que se está a manifestar. Importa ainda criar uma escala de
intensidade, do gênero: (0-10). Assim pode dizer, por exemplo: “Hoje sinto uma tensão elevada de grau (8) na zona do pescoço.”
Ao quantificar a intensidade do incómodo, deixa de avaliar as suas
sensações físicas ligadas ao seu estado emocional em forma de tudo ou nada.
A gradação permite que mais facilmente possa escolher o que fazer para
diminuir o incómodo da dor e consequente sentimento que possa emergir.
O terceiro passo
é identificar que emoções você estás sentindo. A tensão no seu peito
pode indicar ansiedade. As lágrimas nos seus olhos e garganta apertada
podem indicar tristeza. O seu coração acelerado pode indicar medo ou
apreensão. Se você ainda tiver problemas para identificar os seus
sentimentos, pode ser benéfico familiarizar-se com um leque alargado de
emoções, aumentando o seu vocabulário emocional. Depois de tomar
consciência das palavras que mais utiliza para descrever os seus estados
emocionais, pondere criar uma lista pessoal, especificando as sua
emoções ou sentimentos.
Por exemplo: abandonado,
aceite, agitado, agressivo, alerta, maravilhado, ambicioso, divertido,
enfurecido, animosidade, irritado, apreensivo, ardente, despertado,
envergonhado, traído, aturdido, amargo, entediado, sem fôlego, alegre,
pretensioso, frio, confortável, compassivo, preocupado, confiante,
confuso, corajoso, covarde, astuto, excêntrico, curioso, cínico,
encantado, delirante, entre outros.
O quarto passo
é aplicar estratégias de diminuição da dor emocional. Por exemplo, se
você está demasiado angustiado e irritado, por momentos foque a sua
atenção na sua respiração, fique com ela, torne-se nela. Observe a sua
respiração, flua com ela, sinta o seu corpo a relaxar à medida que vai
respirando. Mesmo se seja por breves momentos, este exercício
permite-lhe distanciar-se dos seus apegos, dos seus desejos, das suas
necessidades, usufruindo de um estado pleno de tranquilidade. A sua
mente ficou calma e clara. Chame até si esse estado de lucidez e
tranquilidade sempre que sentir que está a perder o controle dos seus
pensamentos e sentimentos. Torne este exercício num hábito. Habitue-se a
promover esse estado. Com a prática esse estado passará a ser-lhe
familiar. Use-o sempre que se sentir perturbado e a sua razão comece a
abandoná-lo.
O que mais importa é
você ter a noção que pode decidir realizar algumas atividades ou aplicar
algumas técnicas que possam melhorar o estado depreciativo que está a
enfrentar. Para consolidar este último passo, chame até si esse estado
de lucidez e tranquilidade sempre que sentir que está a perder o
controle dos seus pensamentos. Depois, já mais estabilizado e consciente
das suas emoções, onde elas se manifestam e qual o impacto que estão a
ter em você, decida-se a colocar em ação uma atividade, estratégia ou
técnica que promova o seu bem-estar.
Exemplo 1: Quando
você percebe que apesar de estar a viver um momento de dor emocional
consegue fazer algo para apaziguar essa dor, provavelmente irá
permitir-se relaxar e encontrar espaço mental para ser mais positivo e
construtivo. Você pode aprender a relaxar o seu corpo e a diminuir a
ansiedade e angústia associadas aos momentos de tensão da sua vida. Tem
um nó no seu estômago, pode apenas relaxar. A parte de trás do seu
pescoço está tenso, pode apenas relaxar. A sua mente está agitada, pode
apenas relaxar. Quando desenvolvemos a capacidade de promover boas
sensações no nosso corpo, ficamos numa posição mais confortável para
enfrentarmos os problemas que nos surgem na vida sem lamentações
vitimizantes.
Exemplo 2:
Pode ajudar você aceitar a sua experiência de abalo psicológico, por
aquilo que ela é, e apoiar a si mesmo, dizendo gentilmente: “Estou a sentir-me triste neste momento, tenho motivos para isso, mas em breve irei ficar melhor.”
Pode imaginar que alguém que ama está reconfortando você nesse momento
de dor emocional. É uma boa ideia fazer pausas na ruminação da
sua emoção. A vida é um processo de aprendizagem, perceba o que é melhor
para você. Tente perceber o que está fazendo você sentir-se dessa
forma, e quanta intensidade emocional consegue suportar. Reconhecendo os
seus limites e pontos fortes é uma poderosa forma de cuidar de si
mesmo. Isso permite, que no tornado emocional, você perceba que está na
hora de orientar a sua atenção para algo que restabeleça a sua energia,
para mais tarde voltar ao assunto que o perturba, mas mais revigorado.
Quando você estiver pronto para uma pausa, pode perguntar: “O que posso fazer para sentir-me um pouco melhor?”
Pode ser tão simples como ir fazer uma caminhada ou beber uma xícara de
chá quente. Você pode obter o apoio de um amigo, terapeuta, ou através
da oração ou meditação. Ao longo da experiência, pergunte a si mesmo: “Qual é a melhor coisa que posso fazer por mim agora?”
Exemplo 3:
Para superar e ultrapassar as suas emoções desagradáveis, você pode
tratá-las com gentileza. Utilize o mesmo método que utilizaria para se
aproximar de alguém que está sofrendo, seja compassivo com a sua própria
dor. Embora não possa mudar nada, a compaixão com a dor promove a
superação. Não é diferente do que acontece quando você acalma uma
criança chorando, oferecendo abraços, beijos e amor, ou quando você se
sente melhor depois de permitir-se chorar. Fique com as suas emoções e
certifique-se que você está bem. Ao fazer isso, você vai notar que se
sente ligado a você mesmo e que desta forma se sente “bem” (embora possa
estar a passar por momentos menos bons e a ter sensações e sentimentos
desagradáveis).
Dica: Nós não somos as nossas emoções, somos aquele que sente as emoções e que pode decidir ficar de bem com elas, mesmo sabendo que são difíceis de suportar. Entender este conceito, é um passo importante para separarmo-nos das nossas emoções. Elas pertencem-nos, mas nós somos muito mais que isso. Não somos os nossos sentimentos. Nós somos aquele que sente.
O que mais importa é aumentar a sua
consciência para reconhecer que você precisa tomar uma atitude quando é
afetado por um abalo psicológico. É primordial refletir sobre as suas
necessidades emocionais em tais momentos, e tomar medidas para aplicar
as técnicas de primeiros socorros emocionais, e encontrar as técnicas
que funcionam melhor para você.
Com o
tempo, você vai desenvolver o seu próprio processo psicológico de
recuperação que pode usar sempre que necessário, podendo
ainda compartilhar com os seus filhos, amigos e familiares. Se com o
tempo as suas feridas psicológicas agravam, não hesite em procurar
ajudar profissional. Fonte: escolapsicologia.com
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