"Nas nossas garras
paternas e maternas existe o medo profundo de que aquele amor, que nos
parece ser nossa vida inteira, nos obrigue a lidar com a dor da impotência"
“Não corre, você vai cair!”, eu e você dissemos, amedrontados que
estávamos de que aquela criaturinha linda se esborrachasse no chão. Já
sabemos onde isso vai dar: Joelho ralado, choro incontido, cotovelo
esfolado e muito trabalho pra lavar e cuidar dos ferimentos da
brincadeira. Vetamos a tentativa, para protegê-los juramos para nós. “Não
dê cambalhota, Deus sabe o que pode acontecer”.
No nosso sonho acordado, somos os super heróis responsáveis que
aquele ser que colocamos no mundo com tanto amor não se esfole em
tentativas infundadas de descobrirem a si, o prazer e a vida. Se eles
sofrem, sofremos. Se eles se machucam, sofremos. Se eles se frustram,
sofremos. Mais do que eles.
Quando crescem um pouco dizemos que “aquela tendência não é boa”,
como quando eu ouvi um pai reclamar para um professor de história que
ele estava sendo muito inspirador pro filho dele, e que o menino já
declarava querer ser professor. O pai dizia, cheio de uma intenção de futuro brilhante
para o filho: “Quero apenas pedir que não o estimule tanto. Ele gosta
de história, mas não queremos essa profissão pra ele. O senhor entende,
não é? Sua profissão não é muito boa pra viver”. O professor entendia e
preferia seu salário merrequento de fim de mês do que aquele papo de não
inspirar seres humanos.
Então impedimos também outras tentativas. No choro dizemos “Toma aqui, menina
e vê se para de chorar”. Deus o livre aguentar o choro muito tempo, o
que eu faria com isso? Ninguém me ensinou o que fazer quando meu filho
começasse a escandalosamente, sem um pingo de consideração pela minha
reputação, abrir a boca de trombone e declarar ao mundo que eu havia
negado seu desejo.
A gente vai se esquivando de viver.
Vai vivendo morno esperando que um dia a gente se satisfaça. E aí na
hora de vê-los prontos – mais provável nesse cenário que estejam
não-prontos – e deixar que batam asas – que não deixamos que treinassem –
nos desesperamos. “Onde pensa que vai menina? Sair de casa? Casar? Mudar de país? Volta aqui já que você não está me fazendo feliz assim”.
Você não está me fazendo feliz assim. “Seu corpo veio de mim e ele me
pertence” dizemos silenciosamente em nossas ações, eu e você. Em nossas
relações e com nossos filhos. “Seus caminhos me pertencem, não os faça
serem assustadores pra mim”. E vamos repetindo para nós que isso é amor, e isso é proteção. Quem, em sã consciência, há de querer que algo de ruim aconteça com quem ama? Ora, ninguém!
Quantas vezes você sofreu em sua vida? Quantas vezes sentiu que te
faltaram instrumentos pra agir melhor diante da situação? Quantas vezes
se sentiu desencorajado ou com medo de se aventurar? Quantas vezes quis
ir, mas a visão era ampla demais e assustadora demais?
Talvez tenham te cortado as asas. Talvez você esteja
cortando asas e chamando isso de amor. Talvez você só esteja com medo
desses olhos que iluminam seu mundo, terem que ver dores e enfrentar
coisas que você não soube como enfrentar.
Mas vem cá, que só contigo quero dividir um segredo: Se você ensina o
vôo, eles voam e voltam sempre ao ninho. Não tenha medo! As vezes
voltaram de asas machucadas, pedindo conforto, pedindo acolhimento. Mas
serão fortes, serão verdadeiros e terão muito mais força de ir mais
longe.
Dá próxima vez que seu filho decidir correr por aí, tentar o skate, a
pintura, a aula de história, a ginástica olímpica, a dança, o palco, o
intercâmbio…deixa ir! Confie na estrutura que você deu. Esse corpo não
te pertence, ele só é fruto do seu amor. Com amor (e medidas de
segurança) deixa que ele experimente a vida.
Aproveite e prepare o curativo, o coração e água gelada pra jogar no
rosto quando precisar espantar um susto e um choro e sair! Aproveite e
tente você se dar o direito de viver novas aventuras. Fonte: paisqueeducam.com.br
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