"Pusemos um homem na lua, tratamos o cancro e não conseguimos perceber por que choram os bebês?"
Bebês
a berrar a plenos pulmões são o pesadelo dos pais, mas Harvey Karp tem
boas notícias: todos nascem com um botão de desligar. No seu livro O Bebê Mais Feliz do Mundo explica que o truque é recriar, cá fora, um quarto trimestre de gravidez. A mudança dá-se em cinco passos.
A maioria dos bebés chora porque não está pronta para nascer?
Eles choram porque sentem falta do ritmo aconchegante e ruidoso que durante nove meses tiveram no útero materno. Um bebê de 4 meses está pronto para sorrir e até para começar a interagir com os pais; um recém-nascido é mais como um feto. Para eles, a vida cá fora é um caos tremendo, cheia de luzes, cores, pessoas, gases, fome, sede… Uma espécie de Las Vegas, com a agravante de terem muito pouco daquela sensação rítmica, hipnótica e calmante da barriga da mãe. É essa descompensação que os faz chorar. Muitos não conseguem lidar naturalmente com esta mudança.
Por que razão precisam os bebês de um quarto trimestre?
Nos primeiros três meses, um recém–nascido passa a maior parte do tempo
a dormir e a ser alimentado. É tão imaturo e impreparado para o mundo
que teria tudo a ganhar se pudesse voltar para dentro da mãe sempre que
se sente confuso. O ideal seria o bebê nascer aos 12 meses de
gravidez, a arrulhar e a sorrir, mas nessa altura era impossível passar a
cabeça pelo canal vaginal ( já aos 9 meses é o que se sabe…). Por isso
o trabalho dos pais, no primeiro trimestre e até depois disso, é serem
uma espécie de útero ambulante que lhes permita fazer a difícil
transição para o mundo.
Somos mais primitivos do que as ditas sociedades primitivas a acalmar os nossos bebês?
Sem dúvida. Há milhares de anos que os pais sabem que imitar as condições do útero conforta os recém-nascidos, habituados a estarem apertados na posição fetal, balançados a maior parte do dia, quentes e serenados pelo chhhh constante do sangue a correr nas artérias, mais alto que o de um aspirador. Os nossos antepassados perceberam isso e criaram roupas quentes e tiras para transportar bebês que imitavam a segurança do útero. Ainda hoje as mulheres dos !Kung San, bosquímanos que habitam a África Austral há mais de vinte mil anos, carregam os bebês numa tira de couro o dia todo, abraçam-nos e deixam-nos mamar um pouco para acalmarem. As mães modernas, pelo contrário, tendem a considerá-los logo prontos para o mundo, como se fossem cavalinhos que se levantam e correm minutos depois de nascerem.
Acontece que muitos pais receiam abraçar demasiado os seus bebés com medo de estragá-los com mimos…
Nos primeiros 3 meses, um recém-nascido pouco mais quer do que andar
ao colo, ser abraçado e sentir-se em casa, que para ele ainda é
sinônimo do útero materno. Para nós, pegar num bebê durante 12 horas é
muito; para eles é muito pouco. Os !Kung San abraçam os filhos e as
suas crianças são independentes, nada mimadas. Por isso digo às famílias
que deem colo e não se preocupem com a disciplina durante seis meses.
Esse tempo é para o bebê aprender a confiar na família. E isso faz-se
respondendo às suas necessidades. Mais tarde, quando ele tiver perto de
um ano, vamos então ensinar-lhe disciplina, limites e outras questões
importantes para o seu desenvolvimento.
Existe algum botão de desligar criado pela natureza para o choro?
O reflexo calmante aproxima-se bastante dessa ideia. Não funciona se um bebê tem muita fome ou dores, por isso não se lhe pode chamar um botão, mas é algo com que ele nasce, como o reflexo de sugar ou de engolir. E até agora desconhecíamos o seu papel a desligar o choro e a ligar o sono, além da forma de ativá-lo. Se um médico bate com um martelo no joelho para testar o reflexo patelar e se afasta uns centímetros do ponto, nada acontece. O mesmo se passa com o reflexo calmante: basta uma pequena falha a aplicar as técnicas para não funcionar. Por isso escrevi este livro para ajudar os pais.
Como se ativa o reflexo calmante? Quais as técnicas que os pais podem usar para acalmarem os seus bebês nos primeiros meses?
Quando nada mais funciona, há cinco passos que podem ser usados por si
só em bebês mais tranquilos, ou combinados naquilo a que chamo «a cura
do abraço» para acalmar os mais chorões. O primeiro é embrulhar o
recém-nascido com os braços junto ao corpo, firmemente apertado como se
ainda estivesse no útero. Os seguintes passam por virá-lo de barriga
para baixo e de lado, ao mesmo tempo que o embala com vigor e faz
chhhh (o som de um secador de cabelo ou outro ruído branco imita
igualmente bem o que ele ouvia dentro da barriga). Sugar é o último
passo que ativa o reflexo calmante: o mais reconfortante para ele é a
mama da mãe, mas também serve o dedo ou uma chupeta.
Vale também para o choro das cólicas?
Sim. Regra geral, atribuímos às cólicas todas as dores, ansiedade e mal-estar dos bebês: se têm a fralda limpa, a barriga cheia e continuam a berrar, culpamos as cólicas. Durante décadas, médicos e avós aconselharam as novas mães a ter cuidado com o que comiam, mas o facto é que não há diferença na quantidade de gases que bebês calmos e agitados têm no auge do choro. E esse choro típico começa às duas semanas e termina aos três ou quatro meses de vida, melhora quando os bebês são embrulhados e embalados, além de que em muitas culturas – a balinesa é uma delas – os bebês nunca têm cólicas. Começamos a ver que a falta do quarto trimestre explica todas as teorias populares.
Como é que chegou ao seu método pessoal para acalmar bebês?
Em 1980, estudava eu desenvolvimento infantil na Universidade da
Califórnia, tomei conhecimento daquela tribo africana de que falei há
pouco, em que os pais conseguem acalmar os seus bebês num instante e
não se ouve falar de cólicas. Para mim, não fazia sentido não sabermos
porque choram os bebês. Quer dizer, pusemos um homem na Lua, tratamos o
cancro, mas não conseguimos perceber isso? Decidi estudar as técnicas
que usam e que a nossa cultura moderna esqueceu, experimentei-as nos
meus pacientes em anos de prática. E entretanto apercebei-me do
reflexo calmante e da necessidade de voltar aos primórdios para
recriar, o mais possível, o ambiente intrauterino que o ativa.
Em que é que a informação que partilha com os novos pais difere do aconselhamento parental do passado?
Antigamente dizia-se que os bebês precisam de silêncio, de quietude absoluta, e isso é errado. Dizia-se que nascem prontos para o mundo e é errado. Dizia-se que as mães são melhores a acalmá-los e também isso é errado: as mães são excecionais a amamentar, mas os pais têm mais facilidade do que elas a embrulhar os seus bebês, apertando-os com a força ideal, e a abaná-los com um vigor que falta às mulheres, por natureza mais ternas. Também se dizia que os bebês choram devido às cólicas e é errado. E sabe qual é a maior inverdade de todas? A de que os pais têm que criar um filho sozinhos. No passado, a família e a comunidade ajudavam e, mais tarde, o casal retribuía o favor. Não se sintam culpados por pedirem ajuda.
Já houve algum bebê que não tivesse conseguido acalmar?
Nenhum, a não ser bebês doentes. Também descobri que, em 95 por cento
das vezes que os meus cinco passos não resultam, é porque os pais não
estão a aplicá-los como é suposto, usando a técnica correta e seguindo a
ordem de embrulhar, virar de lado e de barriga para baixo, fazer
chhhh, embalar, sugar e combinar tudo num abraço. O toque, para os
recém-nascidos, é tão benéfico como o leite. Eles sentem-se
aconchegados no útero, acarinhados, e continuam a gostar (e a precisar)
de ser abraçados quando nascem.
Que conselhos dá aos pais caso as técnicas do livro não funcionem com eles?
Dou-lhes informação sobre algumas das causas médicas que provocam o choro, como obstipação, alergias, refluxo ácido ou problemas de alimentação. Aviso–os ainda de que a cura do abraço só funciona se for executada com as técnicas e o vigor certos. É como fazer um bolo: quando não seguimos a receita e nos pomos a inventar, o mais certo é sair uma mistela intragável em vez de uma sobremesa deliciosa. No final, se tudo está a ser feito corretamente e o bebê continua a chorar, aconselho-os a irem ao hospital para despistar uma provável causa física. Compreendo a frustração de tentar acalmar um recém-nascido aos berros quando nada parece resultar, mas não desesperem. A prática faz a perfeição. Fonte: www.noticiasmagazine.pt
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