"Entenda, através da visão da psicóloga, o verdadeiro significado e
importância dessa expressão e as reais implicações desse comportamento
dos pais"
Temos acompanhado, há algum tempo, em diversos lugares, uma discussão
sobre “as crianças terceirizadas”. Um tema delicado, que nem sempre me
parece abordado com a profundidade que merece e que acaba, por vezes,
sendo avaliado de forma parcial e criando estereótipos que dificultam
ainda mais a árdua tarefa da maternidade.
É importante definir a que o termo CRIANÇAS TERCEIRIZADAS se refere.
No nosso entendimento, terceirizar um filho implica em transferir para
outras pessoas a tarefa de cuidar, preocupar-se e responsabilizar-se por
ele. Nestes casos, ocorre um afastamento profundo e os vínculos, quando
se estabelecem, se estabelecem de forma falha.
Achamos importante enfatizar que falar de crianças terceirizadas é muito
diferente de falar de pais que optam por colocar um filho na escola ou
deixá-lo algumas horas do dia com uma babá ou familiar. O termo nos
parece inadequado (para não dizer forte e agressivo) e incapaz de
traduzir a forma como a grande parte das famílias de hoje em dia se
organiza para manter sua vida profissional, ampliar suas possibilidades
financeiras e também assumir a maternidade/paternidade.
Pensamos que algumas crianças são terceirizadas sim, porém, pensamos
que o que define isto não é a presença ou a ausência da mãe ou do pai
com ela o tempo todo.
Vemos mães que dedicam-se integralmente a seus filhos, largam seus
empregos e passam a ser apenas mães. Porém, amparam os cuidados com seus
filhos em manuais frios, que ensinam um passo a passo do que deve ser
feito, controlam rotinas no relógio de forma rígida e não são capazes de
entrar em contato com seus bebês. Aqui, embora disfarçada, podemos
pensar em uma terceirização, pois no início a empatia é substituída por
manuais e tão logo as crianças crescem um pouco, recursos como TV, DVDs
“educativos”, tablets e smartphones passam a ser recursos triviais.
É claro que também observamos, da mesma forma, pais que terceirizam os
filhos através de escolas/creches ou em casa com babás, em nome de suas
vidas profissionais ou de sua tranquilidade, o que também é muito
preocupante.
Observa-se que em alguns casos há uma grande dificuldade por parte
dos pais em assumir os filhos em sua completude, o que inclui noites mal
dormidas, preparo de alimentos, tempo para brincar, conversar, suportar
lágrimas e manhas sem sucumbir (necessariamente) à TV, a recursos
virtuais a chupetas e assemelhados.
O que chamamos de “lado B” da maternidade, ou seja, os momentos
difíceis, costumam denunciar estes casos. A terceirização não
necessariamente é causada por desamor, na maior parte das vezes até não é
o caso, mas sim por uma grande limitação em abrir mão do conforto da
vida que se tinha antes dos filhos. Ou seja, busca-se o prazer de ter
filhos, mas se isola o desprazer, como se os dois não fizessem parte do
mesmo pacote, que é uma característica comum das relações na atualidade.
Um hábito que vemos se tornar mais comum na atualidade, especialmente
entre mães de classes mais abastadas, é o de sair da maternidade com um
aparato que envolve enfermeira e babás, cuidadoras que se revezam dia e
noite. Como já repetimos à exaustão, é complicado julgar, mas penso que
vale refletir sobre isso. Nos primeiros meses de um bebê, é fundamental
que a criança viva em um estado de extrema intimidade com a mãe e, para
isto, por mais exaustivo que seja, é importante que a mãe abra um pouco
mão de si mesma em prol de seu filho. E aí questionamos: Será possível o
estabelecimento deste quadro com a presença constante de um terceiro?
É papel da família, no mínimo, gerenciar e acompanhar de perto a
atuação dos cuidadores e é indispensável que os pais tenham contato
diário com seus filhos e que participem de suas rotinas: sabendo o que e
como comem, tendo contato pele com pele na hora do banho e de trocas,
conversando, segurando suas mãos, os fazendo dormir e cuidando de suas
doenças. Ok, você não poderá acompanhar todas estas etapas diariamente?
Mas será que está participando da vida de seu filho de forma
satisfatória?
Nestes e em muitos outros casos, aprendemos a ter respeito, pois muitas
vezes estas situações retratam pessoas que dentro de suas limitações
fazem o melhor. Porém, este distanciamento tem seu preço. Há situações em que apenas teremos crianças manhosas, com dificuldade
de lidar com limites e frustrações, mas que por alguma razão não se
transformarão em monstruosos adolescentes e adultos sem limites. Muitas
pessoas são resilientes por natureza e lidam com a falta com o que o
meio oferece.
No entanto, nunca sabemos as cicatrizes que terceirizar os filhos
pode causar. Muitos casos de delinquência juvenil, quando observados de
perto, mostram crianças que foram absolutamente solitárias, criadas sem
vínculos satisfatórios e, por viverem sob um abandono dilacerante, não
aprenderam a valorizar “o outro” e não pensam que as pessoas devam ser
respeitadas.
Salientamos, assim, que crianças efetivamente terceirizadas são aquelas
que possuem vínculos enfraquecidos com seus pais e que são
verdadeiramente entregues a babás, escolas ou familiares, e não crianças
pelas quais seus pais se responsabilizam, se envolvem e criam vínculos
fortes e sadios. Estas, terceirizadas de verdade, possivelmente serão crianças com uma
relação confusa com figuras de autoridade, pois, ao longo de suas
vidas, exerceram sobre ela autoridade pessoas com quem ela não possuía
vínculos afetivos suficientes, de forma que a introjeção desta figura
não se dará de forma adequada e, com isto, a noção de limites também
tenderá a ser falha.
Neste contexto, que é completado com níveis elevados de solidão e
sentimento de menos valia, é provável que tenhamos aumento em patologias
da família da depressão e do vazio, onde as pessoas não encontram
satisfação em nada, passam a vida em busca de algo que nunca encontram e
tendem, consequentemente, a um maior índice de uso de drogas e de
transgressões.
Nosso universo apresenta
todo o tipo de pais, desde os que citamos acima, que muito nos preocupam, até aqueles que escolhem ter filhos e que, apesar de lançar mão
de uma rede de suporte para dar conta desta responsabilidade e também de
sua vida profissional, não os terceirizam.
Não podemos concordar que crianças que precisam ir para a escola precocemente
ou ficar com babás sejam necessariamente terceirizadas. Testemunhamos
diariamente casos que passam muito longe disto. Testemunhamos pais que
peregrinam pelas escolas para escolher a que mais se adequa a seu jeito
de pensar, conversam com amigos, com profissionais para decidir qual
será a melhor forma de seu filho ser atendido nas horas que estarão no
trabalho, ou escolhem suas babas de forma criteriosa e atenta. Quando
termina seu expediente correm para os filhos e no dia seguinte as
crianças contam com uma rica convivência familiar para compartilhar com a
babá ou com os colegas.
Na escola, vemos estes pais, sendo plenos em sua tarefa parental,
escolhendo, considerando o que vai ser mais adequado para seus filhos e
participando intensamente da vida da criança, iniciando com uma
adaptação gradativa, onde a mãe tem a possibilidade de se vincular a
equipe da escola e ensinar para esta as sutilezas dos cuidados de seus
bebês. Na escolha da escola a família tem a possibilidade de escolher um
local que respeite as individualidades da criança e ofereça afeto sem
que este concorra com o afeto familiar, pois este é intransferível.
Resumindo, terceirizar os filhos não pode ser simplesmente
atribuído a falta de tempo, amor ou conhecimento e sim à falta de
vínculo. O vínculo que é estabelecido, quando forte, é
inabalável e permitirá aos pais avaliar as necessidades de seus filhos
e, sempre que necessário, fazer rearranjos na sua vida profissional, ou
então, em outras situações, simplesmente “falhar”, sem que isso
represente abandono, pois seus filhos poderão passar por isso sem que o
episódio gere grandes traumas. Fonte: macetesdemae.com
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