"É como se as pessoas criassem uma “ilusão” credível acerca
delas mesmas como sendo indignas ou tivessem nascido para sofrer"
No
entanto, a realidade da minha própria vida, e de inúmeras outras
pessoas, leva-me a acreditar que conseguimos despertar dessa “ilusão”
através da prática da autoconsciência e autocompaixão. Podemos chegar a
confiar na bondade e pureza de nossos corações, a qual está na base da
condição humana. Vimos ao mundo com o potencial de amar, sermos amados e
ausentes de condicionalismos. Na verdade, vimos ao mundo impregnados de
positividade.
A fim de florescermos
usando a autocompaixão, temos primeiro de perceber que este processo
depende da necessidade de sermos honestos conosco mesmos, permitindo
dessa forma o contato direto com a nossa própria vulnerabilidade. A
compaixão pratica-se plenamente quando nós ativamente
disponibilizamos cuidados a nós mesmos. Para ajudar as pessoas a lidar
com os sentimentos de insegurança e indignidade, muitas vezes ensino a
prática da mindfulness e compaixão através de um exercício inicial de
caminhar em atenção plena. Este exercício, é uma ferramenta fácil de
lembrar para a prática da atenção plena. Tem quatro passos:
- Reconhecer o que está acontecendo
- Permitir presenciar a experiência, exatamente como é no momento presente
- Investigar com bondade
- Consciência natural, que aparece da não identificação com a experiência
Você pode explorar o caminhar em atenção plena (mindfulness) praticando o seguinte exercício:
Escolha
um percurso calmo que você está habituado a fazer, pode ser um parque, à
beira de um rio, junto à praia, na montanha, entre outros. Ao iniciar a
sua marcha, coloque a sua atenção numa parte do corpo ou em alguma
sensação em particular, ou faça-o de forma mais plena e contemplativa,
observando o máximo de sensações corporais, ou ainda ficando ciente do
máximo de estímulos que o seu corpo lhe permite experimentar, num
determinado momento.
Por exemplo, os
sons à sua volta, algum ponto de tensão que possa sentir no seu corpo, a
deslocação do vento no seu rosto, a pressão dos maxilares, o franzir da
testa, o peso do corpo ao caminhar, entre outros. Comece por focar a
sua atenção em apenas um estímulo, observe e experimente essa sensação e
imagem, em seguida, sem perder o foco nesse primeiro estímulo que
escolheu, acrescente outro estímulo. Adicione tantos estímulos quantos
conseguir, sem perder o foco nos anteriores.
Por
exemplo, ao caminhar, tente sentir a a sensação dos seus pés no chão,
sinta o pressão que faz ao caminhar, foque-se por instantes nisso,
depois, passado alguns segundo adicione outra sensação corporal, por
exemplo, a sensação do vento no seu rosto, mas sem deixar de sentir a
sensação dos seus pés no chão. Tente manter-se focado nesses dois
estímulos e adicione outro, por exemplo o som do vento nas árvores ao
seu redor. Em seguida, de entre todos os estímulos, escolha um ou dois
em que quer sentir ou experimentar de forma mais aprofundada. Nesta
última parte do exercício você treina a sua atenção plena, percebendo,
que é você que decide de entre todos os estímulos presentes qual opta
por observar mais detalhadamente.
O
exercício anterior fornece-lhe a base para melhor compreender e
assimilar os quatro passos que se seguem, pois permite que você perceba
que apesar de sentir determinadas sensações no seu corpo, você tem uma
consciência que é independente delas, que funciona como o observador,
sem julgamento.
1 – Reconhecer o que está a acontecer
Reconhecer conscientemente, em qualquer
momento, os pensamentos, sentimentos e comportamentos que estão a
afetar-nos joga um papel preponderante no alívio do sofrimento.
É como despertar de um sonho, o primeiro passo para sair da ilusão do
sofrimento é simplesmente reconhecer que estamos presos, que estamos
sujeitos a crenças dolorosamente limitativas, e a emoções e sensações
físicas que interpretamos como ameaças. Os sinais mais comuns da ilusão
do sofrimento, incluem uma voz crítica, sentimentos de vergonha ou medo, a angustia da ansiedade ou a desesperança da depressão.
Diferentes
pessoas respondem ao sentimento de sofrimento e/ou de indignidade de
maneiras diferentes. Alguns podem ficar ocupadas, tentando provar a si
mesmo que têm valor ou outras razões para se agarrarem à vida valiosa,
outras, com medo do fracasso, podem tornar-se desanimadas ou até mesmo
paralisadas. Outras podem recorrer a comportamentos de dependência para
evitar enfrentar a sua vergonha, medo, infelicidade. Qualquer uma destas
estratégias pode levar a qualquer comportamento defensivo ou agressivo
com os outros, ou apego prejudicial.
Algumas
pessoas estão em guerra com elas mesmas há décadas, sem nunca
perceberem como o autojulgamento e autoaversão as impedem de encontrar a
verdadeira intimidade com elas mesmas, com as outras pessoas e
desfrutar das suas vidas, ou daquilo que ainda possuem. Ao invés de
ouvir e confiar em nossa vida interior, a maioria de nós tende a viver
de acordo com as expectativas dos outros, internalizando tudo isso para
si mesmo. Neste cenário pejorativo, quando se fica aquém de alguma
realização desejada, condenamos a nós mesmos.
Embora isso possa
parecer deprimente ou esmagador, aprender a reconhecer que estamos em
guerra conosco é muito poderoso. Na verdade, não perceber a ilusão do
sofrimento e/ou indignidade é como se você tivesse sempre a respirar um
gás tóxico. O objetivo neste primeiro passo, é que você consiga ficar
mais consciente do seu autojulgamento incessante e dos sentimentos de
inadequação, para que possa libertar-se da sua prisão interior dolorosa.
2 – Permitir-se sentir a sua vida interior
Permitir-se
sentir, significa deixar os pensamentos, emoções, sentimentos ou
sensações que tem consciência que está a experimentar, simplesmente
acontecerem. Normalmente, quando temos uma experiência desagradável,
reagimos de uma de três maneiras:
- Exacerbando o autojulgamento
- Reduzir-nos aos nossos sentimentos
- Concentrar a nossa atenção para outro lugar.
Por exemplo, você pode ter o sentimento
vergonhoso de ter sido demasiado duro na chamada de atenção ao
seu filho. Mas em vez de permitir-se a experimentar esse sentimento,
ficar com ele e observá-lo, você pode optar por culpar o seu parceiro
por não fazer a sua parte, ou preocupar-se com algo completamente
diferente, ou decidir que é hora para uma sesta. Todas as opções
anteriores cumprem um mesmo objetivo: Resistir à dureza e desconforto
dos sentimentos incómodos, inibindo a experiência do momento presente.
Você
pode permitir-se sentir, simplesmente parando o impulso de abandonar o
incómodo sentido, deixando que a experiência seja aquilo que ela é.
Permitir que os nossos pensamentos, emoções, sensações corporais
simplesmente sejam o que são, não significa que concordamos com a nossa
convicção de que fomos indignos ou que estamos em sofrimento. Em vez
disso, honestamente reconhecemos a presença do nosso julgamento, bem
como os sentimentos dolorosos associados à situação que estamos a viver
no momento presente.
Permita-se criar um espaço que o capacita ver mais profundamente em seu
próprio ser, que, por sua vez, desperta o seu carinho e ajuda-o a fazer
escolhas mais sábias na vida. Por exemplo, para alguém que tem
dificuldade em controlar a quantidade de comida que ingere, criar um
espaço de ficar com a sensação associada ao impulso de comer, irá
permitir que a pessoa sinta a tensão no seu corpo, o seu coração
disparar, o desejo, entre outros. Ao ficar com a sua experiência
interna, a pessoa pode ser levada a perceber as verdadeiras razões dos
seus impulsos. Ou seja, neste exemplo da comida, poderia estar
relacionado com a pessoa estar sozinha, ter terminado um relacionamento,
ou sentir falta de realização pessoal. Se no exercício de experienciar
as urgências internas, a pessoa perceber que pode fazer algo para
melhorar o seu estado, ou que consegue ser gentil com ela mesma, irá
diminuir a vontade de comer em excesso.
3 – Investigar com bondade
Investigar,
significa ativar a nossa curiosidade natural, ou seja, o desejo de
conhecer a verdade e dirigir uma atenção mais focada para a nossa
experiência presente. Basta fazer uma pausa para perguntar: “O que está acontecendo dentro de mim?
Este questionamento pode iniciar o reconhecimento, mas a investigação
adiciona um tipo mais ativo e concreto de inquérito. Você pode continuar
com mais perguntas: “Onde está grande parte da minha atenção? Como
eu estou experimentando isso no meu corpo? Em que eu estou acreditando? O
que este sentimento quer transmitir-me? Você pode sentir um vazio
ou tremores, e em seguida, descobrir um sentimento de indignidade e
vergonha mascarado por esses sentimentos. A menos que você traga tudo
isso à consciência, as suas crenças e emoções inconscientes vão
controlar a sua experiência e perpetuar a sua identificação como uma
pessoa limitada e incapacitada.
Sem
essa atitude de cuidado incondicional, não há segurança suficiente e de
abertura para que a investigação real ocorra. Há três anos atrás atendi
em consulta uma pessoa que sofria maioritariamente de dor crônica.
Durante um período particularmente desafiador de dor e fadiga, aquela
pessoa ficou desanimada e infeliz. Tudo se complicou quando o meu
cliente me relatou que começou a ficar impaciente, egoísta, irritado e
sombrio em relação ao seu problema. Começámos então a trabalhar nos
quatro passos que estou a explicar neste artigo.
Pouco
a pouco, começou a reconhecer os sentimentos negativos e julgamentos
depreciativos e a permitir-se a sentir conscientemente o dissabor das
emoções dolorosas, ficando com elas. Quando ele começou a investigar,
começou a ouvir uma voz amargurada: “Eu odeio viver assim.” E, em seguida, “Eu me odeio“.
A toxicidade das suas apreciações cheias de autoaversão estavam tomando
conta da sua vida. Naquele momento o meu paciente para além de lutar
com a sua doença, ele estava em guerra consigo mesmo, com a pessoa
irritável e egocêntrica que acreditava que se tinha tornado. Sem saber,
ele estava a ser refém de si mesmo, pois foi-se mantendo em cativeiro
pela ilusão de indignidade e sofrimento. Mas, no momento em que passou a
reconhecer as suas vozes autocríticas e permitir-se ficar com o
sofrimento de ódio, o seu coração começou a amolecer com compaixão.
Aqui
está uma história que ajuda a descrever o processo pelo qual muitas
pessoas estão alimentando o seu sofrimento. Imagine que durante uma
caminhada na mata você vê um cão pequeno sentado perto de uma árvore.
Você curvar-se para acariciá-lo e, de repente, ele começa a ladrar
energicamente, com os dentes à mostra. Inicialmente você pode ter medo e
raiva. Mas, passado pouco tempo você percebe que uma das suas
patas está sangrando, pois está presa numa armadilha, enterrada sob
algumas folhas. Imediatamente o seu humor muda de raiva para
preocupação. Você vê que a agressão que o cão saltou, foi devido à
sua vulnerabilidade e dor. Isso se aplica a todos nós. Quando nós nos
comportamos de forma prejudicial, sendo reativos, é porque estamos
presos em algum tipo de armadilha dolorosa. Quanto mais se investigar a
fonte de nosso sofrimento, mais nós cultivamos um coração compassivo
para conosco e com os outros.
A
compaixão surge naturalmente quando nós conscientemente deixamo-nos
ficar em contato com a nossa dor e passamos a cuidar dela com cuidado e
carinho. À medida que você for praticando estes quatro passos com base
na atenção plena (mindfulness), irá certamente começar a perceber que
tipo de atitudes e gestos você tem consigo mesmo que suavizam as suas
dores, dificuldades e incómodos. O que importa é que depois de você ter
investigado e conectado com a sua dor, ou dificuldade, saiba que tem à
sua disposição um conjunto de oferta de cuidados para o seu próprio bem.
Quando a intenção de despertar o autoamor e autocompaixão é sincera, o
menor gesto, mesmo que, inicialmente o sinta como estranho, irá surtir
efeito.
4 – Consciência amorosa natural
A consciência natural amorosa ocorre
quando a identificação com o ego é abandonada. Esta prática de não
identificação significa que o nosso sentido de quem somos não se
confunde com nenhuma das nossa limitações associadas a emoções,
sensações, ou histórias. Nós começamos a intuir e viver a partir da
abertura e amor que expressamos através da nossa consciência natural.
Embora as três etapas anteriores exijam alguma atividade intencional.
O
aumento da consciência é o tesouro: Um regresso a casa que nos
liberta para a nossa verdadeira natureza. Não há nada a fazer nesta
última etapa, nós simplesmente descansamos na consciência natural. O
exercício da atenção plena expressa nestes quatro passos não é uma
solução que serve para tudo na vida, nem garante por si só a realização
de nossa consciência natural como algo estável ou duradouro. Em vez
disso, é o inicio para uma mudança de perspectiva. Você pode confiar
nela como uma prática para a clarificação das suas dúvidas e temores,
como um caminho para a melhoria.
Cada
vez que você está disposto a abrandar e reconhecer, ohh, isto é a
ilusão de indignidade e sofrimento … isto é o medo … isto é o rancor …
isto é o julgamento …, você está pronto para livrar-se dos velhos
hábitos e limitações das autocrenças que aprisionam o seu coração e a
sua felicidade. Aos poucos, você vai experimentar a consciência amorosa
natural como a verdade de quem você é, mais do que qualquer história que
você já disse a si mesmo sobre “não ser suficientemente bom” ou “ser um
falhado.”
Muitos de nós vivemos por
períodos muitos longos de tempo aprisionados nos nossos condicionamentos
criados por um senso de deficiência, cortando a realização da nossa
inteligência intrínseca, positividade e
amor. A maior bênção que podemos dar a nós mesmos é reconhecer a ilusão
do sofrimento (condicionalismo), e regularmente oferecer uma caminhada
em atenção plena, ativando a autocompaixão para despertar os nossos
corações. Fonte: escolapsicologia.com
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