"Acordamos e dormimos engolindo nossos sentimentos. Logo cedo,
soltamos o bocejo e engolimos a preguiça. Junto com um café amargo,
engolimos o desmotivação..."
Com uma colher de feijão, engolimos a falta de
propósito. Na terceira mordida do pedaço de pizza, engolimos a culpa.
Com o copo d’água solitário tomado ao lado da pia, enquanto olhamos o
mundo escuro fora da janela, engolimos a incerteza.
E assim como o
café, a colher de feijão, a pizza e a água, nossos sentimentos
encontrarão alguma maneira de sair. Na raiva desproporcional dos que
andam devagar no meio da rua, sai, na verdade, a raiva do passo lento da
tua própria vida. Na impaciência com o cobrador que não respondeu seu
bom dia, é expelido o desejo por mais atenção de quem você ama. E por aí
vai…
Guardar sentimentos gera um tsunami devastador
A
questão é: nossos sentimentos sempre encontrarão uma saída. E engolir
todos eles é assumir o risco de ter que lidar com eles quando eles
quiserem sair. Dum jeito torto, na hora errada, com a pessoa estranha.
Dum jeito reto, numa situação controlada, com o público alvo. Reforço
aqui, se já não está claro até agora, que não sou especialista em
sentimentos. Eu só sei muito bem como engolir cada um deles. A raiva
normalmente vai bem com café, o desejo combina com um vinho ruim, o
desamparo com um vinho escolhido por especialistas, a euforia com álcool
puro… mas gosto é gosto. Tem gente que engole tristeza com água e
açúcar. Não sou sommelier de engolir sentimentos também. Mas sei da
potência e do perigo dos sentimentos.
Todos os que sentem sabem, aliás. Sinto o acúmulo e prevejo a vinda
de uma onda enorme, que a princípio era só uma gota. Uma palavra mal
encaixada, um olhar meio torto, a indiferença, o desprezo, a falta de
consideração e pronto: um tsunami. E não há elemento melhor para ser
alegoria pros sentimentos: a água. Essencial na quantidade certa.
Destrutiva em escassez e em abundância. Imprópria para o consumo humano
quando salgada. Imprópria para produzir o que tempera quase tudo na vida
quando doce. Essencial na quantidade e na qualidade certa.
O que você fará com os seus sentimentos?
Ser inteligente, no
final das contas, é estar ciente. Do risco, da potência, da importância.
Do futuro próximo e do futuro futuro. Seria inteligente comer meia
torrada velha, tomar o resto do suco de tangerina que você guardou na
geladeira e nem sabe porquê e ir escalar uma montanha em seguida? Não. E
é inteligente engolir a preguiça, a desmotivação, a raiva e a culpa e
sair para viver a vida todos os dias? E, além disso, achar que vai sair
ileso? Ainda que engolir seja uma escolha, expelir nem sempre é.
A
sua bexiga aguenta uma quantidade limitada de suco de tangerina velho
antes de te obrigar ir ao banheiro ou a passar vergonha. Sua cabeça,
garganta, estômago, ou qualquer outro lugar onde você guarde os
sentimentos engolidos, também tem um limite. Ser inteligente é estar
ciente, assim como o nosso corpo está, do limite da digestão.
Do
tempo necessário para tirar tudo o que é nutritivo de um sentimento que
engolimos e colocar de volta para fora. E lembrar que, assim como o
nosso corpo não expele o que ingerimos da mesma forma (não vamos entrar
em detalhes), nós precisamos escolher como devolver as coisas pro mundo.
E isso sim é uma escolha, a partir do momento em que estamos cientes.
Precisamos
deixar entrar. Lidar com isso. Sentir o gosto, a textura, o peso. E,
depois de tudo isso, saber o momento de dizer “rua!”, assim como nosso
corpo instintivamente sente que estamos chegando em casa e é o momento
certo para nos lembrar que aquele suco de tangerina velho, a meia
torrada, o café, o feijão e a água, sempre a água, precisam sair. Fonte: siteladom.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário