"A melanose neurocutânea é uma síndrome rara caracterizada por nevos
melanocíticos congênitos gigantes e excessiva melanose da leptomeninge"
A
síndrome parece representar um erro na morfogênese do neuroectoderma
embrionário. Os autores apresentam o caso e necropsia de um paciente
masculino de 19 anos que desenvolveu melanoma maligno do sistema nervoso
central.
A
melanose neurocutânea (MNC) é uma síndrome congênita rara caracterizada
pelo desenvolvimento de nevos melanocíticos congênitos e neoplasias
melanocíticas benignas ou malignas do sistema nervoso central. Foi
descrita, em 1861, por Rokitansky, e o termo usado pela primeira vez, em
1948, por Bogaert. Até então, foram relatados 97 casos, a grande
maioria em revistas médicas de Neurocirurgia.
RELATO DO CASO
Paciente
de 19 anos, masculino, negro, natural e procedente de São Paulo. Ao
nascimento apresentava nevo melanocítico piloso gigante em "calção de
banho" e múltiplos nevos spilus nos membros superiores, inferiores e tronco (figuras 1, 2 e 3).
A dois meses da internação, teve início intensa cefaleia e crises
convulsivas. Deu entrada no Hospital do Servidor Público Estadual de São
Paulo em estado geral comprometido e emagrecido; as crises convulsivas
tornaram-se tônico-clônicas generalizadas e refratárias ao tratamento.
Evoluiu com deterioração do nível da consciência, coma e óbito por
sepsis.
Nevo melanocítico gigante piloso com morfotopografia tipo "calção de banho" e nevos spilus múltiplos.
Exames complementares
Exame do líquor: leucócitos: 6/mm3; linfócitos: 45/mm3; monócitos: 13/mm3 e eosinófilos: 1/mm3.
Hemácias: 0. Proteínas: 510mg/100mL. Glicose: 99mg/100mL. Cloretos:
7mg/100mL. Ureia: 18mg/100mL. Reação de Pandy: ++. Presença de células
com atipia e pigmentação citoplasmática acastanhada sugestiva de
melanina. Cultura negativa. Ressonância magnética: contrastação
leptomeníngea e ependimária difusa e grave, massa frontal parassagital
esquerda. Anti-HIV: negativo.
Necropsia
Grande nevo congênito estendendo-se por todo o abdome, dorso e raízes dos membros inferiores até metade da coxa.
Múltiplos nevos melanocíticos intradérmicos, sem atipia na cabeça, tórax e membros (figura 4).
Melanose leptomeníngea.
Melanoma maligno na região frontal parassagital esquerda. Broncopneumonia.
DISCUSSÃO
A
MNC ocorre mais frequentemente em brancos, mas também já foi descrita
em negros, podendo-se apresentar em natimortos, neonatos e,
ocasionalmente, na segunda década de vida, como no caso descrito. A
relação mulheres/homens é de 1:2 e a história familiar para nevos
melanocíticos múltiplos já foi relatada.
Nos
dados clínicos, em 66% dos casos são encontradas lesões pigmentadas
gigantes, a maioria com distribuição em "calção de banho" ou
lombossacral. Em pacientes com lesões na cabeça ou pescoço, 94%
desenvolvem MNC, dos quais 62% apresentam melanoma de leptomeninge com
localização mais frequente nos lobos frontal e temporal.
As
manifestações neurológicas ocorrem, principalmente, nos dois primeiros
anos de vida, com sinais e sintomas de hipertensão intracraniana.
Na histopatologia, 2/3 das lesões são nevos melanocíticos intradérmicos e 1/3 nevos compostos. As células névicas estendem-se à derme reticular e, ocasionalmente, até a hipoderme.
Em 1972, Fox propôs critérios diagnósticos para a MNC que foram revisados recentemente.
Critérios diagnósticos da MNC
1)
Nevos congênitos múltiplos ou grandes em associação com melanose ou
melanoma das meninges. Os nevos devem ter mais que 20cm de diâmetro em
adultos. Em neonatos e crianças: 9cm na cabeça ou 6cm no corpo.
Múltiplos se referindo a três ou mais lesões.
2) Sem evidência de melanoma cutâneo, exceto em pacientes cujas lesões meníngeas examinadas sejam histologicamente benignas.
3) Sem evidência de melanoma meníngeo, exceto em pacientes cujas lesões cutâneas examinadas sejam histologicamente benignas.
Os casos com confirmação histológica de lesões do SNC são considerados definitivos, enquanto os outros são ditos provisórios.
Encontra-se, também, associado à MNC: divertículo de Meckel, anormalidades do trato urinário, como cistos renais e neoplasias; lipoma intra-espinhal, meningioma e cisto aracnoide melanótico intra-espinhal e hipoplasia do vermis inferior. A infecção das meninges, assim como do trato respiratório, são comuns e fatais.
Em relação ao tratamento e prognóstico, 70% dos doentes morrem antes dos dez anos de vida por malignização ou hidrocefalia.
Infelizmente, a terapia antineoplásica não melhora os sintomas e não
altera o curso rápido da MNC. As medidas cirúrgicas paliativas, tais
como o shunt para a diminuição da pressão intracraniana, promovem
melhora transitória. Em relação a cirurgia profilática dos nevos,
muitos autores a advogam, já que o risco de desenvolvimento de melanoma
se situa na faixa de 5% a 15%, porém, no caso da MNC sintomática,
raramente é uma indicação.
CONCLUSÃO
Apresentamos
o caso por sua raridade. O acompanhamento desses pacientes deve ser
feito com frequência para se ter diagnóstico precoce e melhora da
qualidade de vida, já que a evolução da doença é fatal. Fonte: scielo.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário