"Um patógeno que resiste a quase todos os medicamentos desenvolvidos
para tratá-lo está se movendo rapidamente pelo mundo: infecções foram
relatadas em 27 países, com diversas mortes"
O mais estranho de tudo? Não é uma bactéria – é um fungo com um comportamento totalmente anormal.
Candida auris
Além
do surgimento de bactérias resistentes a antibióticos, precisamos agora
lidar com o medo do surgimento de fungos superpoderosos.
Esse
organismo comum se transformou em uma infecção tão perturbadora que o
Dr. Tom Chiller, chefe de doenças micóticas no Centro para o Controle e
Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, o chamou de “mais infeccioso do que o
Ebola” no 20º Congresso da Sociedade Internacional de Micologia Animal e
Humana em Amsterdã, na semana passada.
O nome do patógeno é Candida auris.
Ele apareceu em 2009 e desde então se tornou uma poderosa ameaça que a
ciência ainda não pode dizer de onde veio ou como controlá-la.
Seu
poder de transmissão está forçando hospitais a recorrer a antigas
práticas de higiene, como isolar pacientes e limpar quartos com
alvejante, para tentar parar sua disseminação.
O caso do fungo que queria ser bactéria
O
centro do problema é que esse fungo não se comporta como um fungo.
Normalmente, tais organismos se alojam em espaços quentes e úmidos do
corpo, e saem desse nicho apenas quando seu ecossistema local se
desequilibra.
É o que acontece nas infecções por fungos vaginais,
por exemplo, e também nas infecções que florescem na boca, na garganta
ou na corrente sanguínea.
O C. auris, no entanto, quebra
esse padrão. Ele desenvolveu a capacidade de sobreviver na pele externa
fria e em superfícies inorgânicas frias, o que permite que permaneça nas
mãos de profissionais de saúde, nas maçanetas e balcões e nas teclas de
computador de um quarto de hospital. Com essa ajuda, pode viajar de seu
hospedeiro original para novas vítimas, passando de pessoa para pessoa
em surtos que duram semanas ou meses.
Em outras palavras, o fungo
está se comportando como uma bactéria. Pior: como uma superbactéria que
resiste a maioria dos medicamentos para curá-la.
Os primeiros casos

Infecções
fúngicas nunca foram prioridade na pesquisa médica. Como resultado, há
poucas drogas aprovadas para tratá-las – apenas três classes de algumas
drogas cada, em comparação com uma dúzia de classes e centenas de
antibióticos para as bactérias.
O
novo patógeno mostrou alguma resistência aos antifúngicos de primeira
escolha que seriam usados contra ele, uma família de compostos chamados
azóis que podem ser administrados por via oral. A segunda escolha, uma
droga chamada anfotericina, é intravenosa e tão tóxica, com reações
graves de febre e calafrios, que os médicos tentam evitá-la sempre que
possível. Isso os deixou com um último conjunto de medicamentos
disponíveis, uma nova classe intravenosa chamada equinocandina.
Mais
ou menos na mesma época, médicos na Coréia do Sul foram chamados para
tratar dois pacientes hospitalares, um menino de 1 ano com distúrbio de
células sanguíneas e um homem de 74 anos com câncer de garganta, ambos
com infecções na corrente sanguínea causadas pelo fungo
recém-descoberto. Nos dois casos, o organismo era parcialmente
resistente à classe dos anzóis e também à anfotericina. Ambos morreram.
Temos um problema!
O
mesmo organismo infectando pacientes não relacionados, em diferentes
sistemas do corpo, simultaneamente em dois países, fez os
epidemiologistas se perguntarem o que estava acontecendo.
Em poucos anos, infecções por C. auris
foram reconhecidas na Índia, África do Sul, Quênia, Brasil, Israel,
Kuwait e Espanha. Assim como nos casos coreano e japonês, não havia
conexão entre os pacientes dos diferentes países. De fato, as linhagens
dos fungos eram geneticamente diferentes, sugerindo que C. auris
não havia começado em um lugar e depois se espalhado por transmissão,
mas surgido simultaneamente em todos os lugares, por motivos que ninguém
sabe.
As cepas diferentes têm todas o mesmo impacto nos
pacientes, contudo: são mortais. Dependendo do país e da localização da
doença em seus corpos, até 60% dos infectados morrem.
A situação
se mostrou alarmante o suficiente para que as autoridades de saúde
pública da Inglaterra e da União Europeia lançassem boletins urgentes, e
o CDC tomasse a iniciativa incomum de publicar uma advertência antes
que o fungo sequer chegasse aos EUA. Agora, 340 casos americanos já
foram registrados.
E agora? Como parar o C. auris?
O C. auris
é altamente resistente a drogas. No ano passado, o CDC divulgou uma
análise de casos relatados nos 27 países onde o fungo surgiu. Mais de
90% deles eram resistentes aos azóis; 30% eram resistentes à
anfotericina; e até 20% eram resistentes às equinocandinas.
Um dos
maiores desafios da doença são os surtos hospitalares de longa duração
que pode causar. Um hospital de Londres, o Royal Brompton, precisou
colocar seus pacientes em isolamento, tomar diversas precauções de
contato, como luvas e aventais, banhar os infectados duas vezes ao dia
com desinfetante e lavar seus quartos três vezes ao dia com alvejante
diluído. Mesmo assim, o fungo causou um surto que afetou 50 pessoas e
durou mais de um ano.
Não há muitos lados bons na batalha iminente contra C. auris.
Um pode ser o seguinte: a maioria dos pacientes, até agora, incluindo
todos os que morreram, foram pessoas que já estavam hospitalizadas por
outras condições, como diabetes, doenças cardiovasculares e cânceres.
Eram indivíduos que já estavam dependendo de equipamento médico e
recebendo várias drogas, ou seja, com sistemas imunológicos
enfraquecidos. Isso significa que há uma população limitada que pode
estar em risco.
Mesmo que identifiquemos grupos-alvo, no entanto, a
prevenção e o diagnóstico também apresentarão desafios. Um estudo
mostrou que 80% dos infectados foram erroneamente diagnosticados no
início. Recentemente, o CDC publicou uma longa orientação para os
laboratórios, explicando detalhadamente os erros que sete métodos
separados de testes cometem ao identificar o C. auris.
Para
os próximos passos, é fundamental que a medicina crie melhores testes e
práticas de rotina, e que o desenvolvimento de novas drogas
antifúngicas seja acelerado. Fonte: wired.com
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