"H. pylori é uma bactéria dotada de cílios compridos que lhe
permitem fixar-se à superfície da mucosa gástrica. Até se descobrir o
papel dessa bactéria que vive no estômago, úlceras gástricas eram
tratadas com cirurgias que retiravam mais da metade do órgão"
Cinquenta anos atrás, as úlceras duodenais e as gástricas eram tratadas por meio de cirurgias que retiravam mais da metade do estômago.
No Hospital das Clínicas de São Paulo, um recém-formado que se prezasse
não concluía a residência médica sem ter feito 30 ou 40 dessas
operações. Cirurgiões experientes chegavam a reunir mais de 500
gastrectomias em seus currículos.
Naquela época, as úlceras eram
consideradas manifestações psicossomáticas típicas de pessoas ansiosas e
estressadas, que deviam ser encaminhadas para o psiquiatra.
Nos
anos 1970, o advento das primeiras drogas capazes de inibir a produção
de ácido clorídrico na mucosa gástrica tornou possível curar a doença
por métodos clínicos. Hoje em dia, perder o estômago por causa de uma
úlcera é raridade; já nem lembro do último caso que vi.
Em 1983, Warren J. e Marshall B. isolaram o Helicobacter pylori no estômago de pacientes com gastrite crônica e levantaram a hipótese de que essa bactéria fosse causadora da doença.
Como
costuma acontecer com as ideias que subvertem paradigmas estabelecidos,
a descoberta foi encarada com enorme descrédito. Existir uma bactéria
capaz de sobreviver num meio tão ácido, parecia absurdo.
Hoje sabemos que o H. pylori
é uma bactéria cilíndrica dotada de flagelos em forma de cílios
compridos que lhe permitem fixar-se à superfície da mucosa gástrica.
Consegue viver no estômago graças à capacidade de converter a ureia
presente no suco gástrico, em amônia e gás carbônico, processo que lhe
fornece a energia necessária para tocar o dia a dia.
Contraída nos
primeiros anos de vida, a infecção persiste indefinidamente, a menos
que tratada. É mais comum encontrá-la nos mais velhos; especialmente
naqueles que passaram a infância em condições socioeconômicas
desfavoráveis.
Mais de 50% da população mundial estão infectados pelo H. pylori. A maioria esmagadora dessas pessoas convive com a infecção sem apresentar sintomas.
A presença do H. pylori
é considerada fator associado (cofator) ao desenvolvimento de três
patologias gastrintestinais: úlceras gástricas e duodenais (em 1% a 10%
dos portadores), câncer de estômago (em 0,1% a 3%) e linfoma do tipo MALT, doença maligna que se instala em cerca de um paciente para cada 10 mil infectados.
A Organização Mundial da Saúde considera o H. pylori um agente carcinogênico. A
erradicação da infecção cura mais de 80% das úlceras gástricas e
duodenais que não tenham sido provocadas pelo uso de anti-inflamatórios,
drogas que podem causá-las mesmo na ausência da bactéria.
Nos
casos em que a infecção causa um processo inflamatório na mucosa
gástrica, a probabilidade de câncer de estômago aumenta. Não está claro
se eliminá-la reduz o risco.
O H. pylori está associado
ao linfoma de estômago do tipo MALT. Quando esse tipo de câncer ainda se
encontra localizado, erradicar a infecção provoca regressão da doença,
na maioria dos casos. É o único exemplo de um tipo de câncer curável com
antibióticos.
Pelo menos 50% dos portadores de H. pylori submetidos à endoscopia para esclarecer queixas de desconforto gástrico (dispepsia) não apresentam esofagites nem
úlceras, embora possam exibir processos inflamatórios na mucosa do
estômago. A maior parte dos estudos publicados revela que eliminar a
bactéria, nesses casos, não traz benefícios claros.
O diagnóstico
da infecção pode ser feito por meio da pesquisa de anticorpos no sangue,
da detecção de gás carbônico marcado com isótopos radioativos presente
na expiração, da pesquisa de antígenos do H. pylori nas fezes ou através do exame endoscópio, que permite colher fragmentos da mucosa gástrica para análise microscópica.
O
tratamento exige combinação de três ou quatro medicamentos
administrados durante 7 a 14 dias, conforme o caso. Em geral, os índices
de erradicação ultrapassam 90%. Fonte: drauziovarella.uol.com.br
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