"Que venha. Seja lá o que for, venha. A gente aceita. Encara, luta,
cai, levanta, vai em frente"
Aceita o que foi, o que é e o que vem. Não,
nós não somos conformistas, permissivos, acomodados, medrosos, trouxas.
Nós somos gente. E a gente aceita.
Aceita até mesmo quando
rejeita, recusa, esperneia, grita. A gente aceita o inaceitável em
conclusão íntima. O teto desaba, o assoalho rompe, as paredes apertam. E
a gente aceita.
Aceita pagar por serviços odiosos, aceita esperar
de pé em filas enormes por um atendimento de cara feia. Aceita circular
de bandeja em mãos por praças de alimentação lotadas até encontrar uma
mesa vazia, engordurada, ao lado da lixeira entupida, transbordando
sujeira dos outros. A gente aceita o que tem. Amores capengas e amantes ausentes a gente também aceita. Aceita pela mera ilusão de não estarmos sós.
A
gente aceita passar a semana inteira esperando a “sexta-feira, sua
linda”, analgésico e antídoto para os venenos de todo dia. A gente
aceita. Aceita tudo que não traz nada. Aceita as críticas e pouco
reflete sobre elas, senão para nos convencer de que “errado” é quem as
fez e não nós mesmos, nós e nossa perfeição religiosa e autoenganada,
fundamentada em versículos bíblicos descaradamente adulterados.
Para amansar antigas feras, a gente aceita raciocínios impostos por
terapeutas e analistas desinteressados, iludidos de que chegaremos à
nossa subjetividade por discernimento próprio.
A gente aceita
pagar mais caro por aquilo a que naturalmente tem direito pela simples
lógica da civilidade e do princípio da vida em sociedade. Um espaço dois
centímetros maior na poltrona do avião, médicos que nos examinem com o
mínimo de cuidado, um bairro calmo para dormir à noite sem esperar que
alguém invada nossa casa na madrugada, um atendimento decente em
qualquer canto.
Que nos culpem pelo que não cometemos, só para
fugir de discussões cansativas, a gente aceita de bom grado. E daí? Que
mal há em não querer gastar tempo discutindo balela? A gente aceita,
aceita que é mais fácil.
Aceita porque, afinal, por mais que nos
defendamos, aqueles que nos culpam de qualquer coisa não vão mesmo
acreditar. Se o fizessem, assinariam para si mesmos um vergonhoso
atestado de covardia. Então aceitam o cargo autoimposto de suprassumos
das ciências, reis da cocada preta, generais da banda.
A gente
aceita e se acostuma a viver com medo, aceita a morte lenta e o tempo
breve, aceita sentimentos burocráticos e cobranças descabidas. Aceita
meia hora de amor e duas paçoquinhas.
A gente aceita tudo. Aceita o
que deu pra fazer, aceita o mínimo e acha o máximo. Aceita o mais
provável e o menos pior. A gente aceita. A gente aceita que a vida
ajeita. Fonte: asomadetodosafetos.com
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