"Anos de patologização contribuíram para o estigma da homossexualidade e o surgimento de tratamentos curativos"
A decisão liminar do juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, do Distrito Federal, de permitir que psicólogos possam fazer terapias de "reversão sexual" em homossexuais sem sofrer nenhum tipo de censura por parte do Conselho Federal de Psicologia (CFP) gerou grande repercussão na mídia e nas redes sociais.
Não é para menos. Desde 1990, a homossexualidade deixou de ser
considerada doença mental pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Aliás, essa classificação jamais deveria ter acontecido.
“No final do século XIX e início do XX, a psiquiatria e a
psicologia foram atrás dos homossexuais acreditando que o comportamento
era um desvio de norma ou problema mental. Mas isso foi
um erro.”, afirma Alexandre Saadeh, psiquiatra e coordenador do
Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação
Sexual, do Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Um grande erro
A sexualidade passou a ser estudada
sob perspectiva científica a partir do século XIX nos países de língua
alemã. Nessa época, a homossexualidade foi um dos primeiros alvos de
teorias de entendimento e explicação e a questão foi considerada um
desvio à norma heterossexual e não apenas outra orientação. Na
obra Psychopathia Sexualis, de 1886, o sexólogo Richard von Krafft-Ebing
escreveu que a homossexualidade era causada por uma “inversão
congênita” durante o nascimento ou desenvolvimento do indivíduo.
Desde então a questão foi considerada um problema
mental. Em 1952, a primeira versão do Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtorno Mentais (DSM), considerado a bíblia da psiquiatria,
classificou a homossexualidade como uma desordem.
O início das mudanças
No entanto, com o passar do tempo, a ciência falhou em
comprovar que a homossexualidade era de fato um distúrbio mental e as
sociedades médicas precisaram rever suas classificações. Em 1973, a
Associação Americana de Psiquiatria retirou a opção sexual da lista de
transtornos mentais do DSM-II. Em 1975 foi a vez da Associação Americana
de Psicologia retirar a homossexualidade do rol de transtornos
psicológicos.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) demorou
mais e somente em 1991, na décima publicação, excluiu a
homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas relacionados com a Saúde (CID 10).
No Brasil, em 1985, o Conselho Federal de Medicina retirou
da lista de transtornos a classificação “homossexualismo”. Em 1999, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) estabeleceu normas éticas para a atuação dos profissionais da área quanto à orientação sexual e vedou os
psicólogos a incentivarem ou proporem qualquer tratamento ou ação a
favor de uma prática de patologização das homossexualidades.
Sem evidências
Infelizmente, todos os anos de patologização culminaram na criação de práticas “curativas”,
ou seja, procedimentos terapêuticos aplicados para alterar a orientação
sexual de homossexual para heterossexual. Embora proibidas, essas
práticas ainda existem ou tentam existir. Tanto que a decisão da Justiça
do Distrito Federal atende a um pedido da psicóloga Rozângela Alves
Justino em processo aberto contra o colegiado, que aplicou uma censura à
profissional por oferecer a terapia aos seus pacientes. Segundo
Rozângela e outros psicólogos que apoiam a prática, a resolução do
conselho restringia a liberdade científica.
A questão é que, até hoje, nenhum estudo de suficiente rigor foi capaz de concluir que os esforços de mudança de orientação sexual
são eficazes. Ao contrário, a maior pesquisa já feita sobre esta
questão, conduzida pela Associação Americana de Psicologia (APA, na
sigla em inglês), revela que os dados sobre as tentativas de mudança de
orientação sexual na prática clínica indicam muitos relatos de
indivíduos que passaram por terapias de reorientação sexual e
apresentaram depressão, confusão mental, disfunções sexuais, vício em
drogas, automutilação, ansiedade, abulia, pensamentos suicidas, dentre
outros.
Atendimento a todos
Vale ressaltar que a resolução do Conselho Federal de
Psicologia não proíbe os profissionais de atenderem pessoas que queiram
reduzir algum sofrimento psíquico associado a sua orientação sexual,
seja ela homo ou heterossexual, apenas evitar que isso seja tratado como
um “desvio” ou sofrimento – uma vez que o maior sofrimento é fruto do
preconceito.
Todo mundo tem o direito de procurar ajuda para seu sofrimento, mas não
dá para tratar algo que não é doença, apenas fazer a pessoa lidar com
quem é e a sua realidade. O que ela fará com isso é decisão pessoal.
Para o CFP, “a perspectiva de ‘tratar’ a orientação homossexual, como se
ela caracterizasse doença, afronta os meios e as técnicas reconhecidas
pela profissão do psicólogo, ignora o acúmulo de conhecimentos
científicos produzidos sobre o tema, induz à orientação heterossexual e
materializa a discriminação contra os homossexuais”. Fonte: veja.abril.com.br
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