"Embora pareça um tema interessante apenas para quem está vivendo este
processo, ele é, na verdade, muito mais abrangente, pois fala de como
podemos preparar nossos filhos, únicos ou não, para enfrentar na vida as
situações de rivalidade e competição"
O ciúme, sentimento causado pelo receio de perder, para outro, o
afeto da pessoa amada, é um sentimento genuíno, que nos acompanha ao
longo da vida nas mais diversas situações e sempre provoca angustia, nos
mais variados graus. Como pertence à família dos sentimentos é
incontrolável, não passa pelo crivo da razão e depende de como fomos
preparados para lidar com ele quando nos invade.
Escolhi este viés, pois considero a reflexão muito valiosa para todos
que se aventuram na tarefa da maternidade e da paternidade. Penso que
nós, pais, devemos preparar nossos filhos desde o início da vida para não acreditarem que o universo gira em torno deles.
Atitudes simples, como a mãe dar-se o direito de atender suas
necessidades básicas, como comer, ir ao banheiro e tomar banho, mesmo
que isto custe algumas lágrimas ao filho, vão dando notícia de que no
mundo vai além de seus desejos e que aquela pessoa que normalmente está
pronta a atendê-lo também existe, tem necessidades e direitos é uma
frustração capaz de ser administrada e necessária.
Reconhecer o outro não é algo que nascemos sabendo, mas que é
fundamental para que possamos dividir sem que isto se transforme em um
ataque à nossa autoestima. Outra situação comum que vai dando à criança
sinal de que ela nem sempre reinará sozinha é não permitir que ela
sempre se coloque entre o pai e a mãe no sofá da sala ou na cama do
casal. A experiência de ser excluída, mas continuar sendo amada, nos
prepara para futuras exclusões e de certa forma a chegada de um irmão
representa o mesmo.
Quando somos filhos únicos somos o brilho dos olhos dos nossos pais e
a chegada de um irmão traz consigo uma cisão neste reinado. A raiz do
ciúme que esta situação provoca está no temor de perder o amor e
a atenção dos pais para este novo personagem que está chegando.
Entendendo que o medo da perda do amor e da atenção provoca sentimentos
ambivalentes nos permite agir de forma reduzir o sofrimento,
reassegurando de forma mais intensa nossa capacidade de amar cada filho,
com suas qualidades e defeitos, independentemente de quantas vezes
nosso amor precise ser partilhado.
Em um momento que naturalmente os olhos se voltam para o bebe que
chega, e isto é necessário, pois o bebe chega imaturo ao mundo e
necessita de cuidados exaustivos nos primeiros meses, os pais devem reconhecer este fato e criarem um esquema que garanta doses extras de atenção para o filho mais velho.
Quando falamos de criar um esquema e reconhecer que as coisas irão
mudar, falo de não fazer de conta que tudo será como antes, pois não
será. A criança precisa ser preparada para isto, pois quanto mais
desconhecida a situação que temos que enfrentar, mais assustadora ela se
torna.
Permitir que a criança saiba que a gravidez existe, que ganhará um maninho, que ele vai nascer pequeno, precisando de cuidados, como ele também precisou e recebeu é um bom começo. Mostrar fotos e contar para o mais velho como foi a sua chegada
vai mostrar que o aparato criado para receber o maninho também foi
armado para ele e pode fornecer um repertório de memórias que se
tornaram acalentadoras nos momentos que os cuidados com o bebê lhe
parecerem roubar o tempo dos pais.
Fortalecer o ego do mais velho, lhe conferindo potência, capacidade de ajudar durante os preparativos
também ampliam este repertório, pois mostra que seu valor virá de suas
conquistas atuais, que o mano, por mais mimoso e novidade que seja ainda
não é capaz de fazer. Com isso, a criança começa a aprender que cada
pessoa tem suas características e seu valor e este aprendizado vai
ajudar a enfrentar a chegada de um irmão, mas também vai ajudar na
escola a lidar com a chegada de novos colegas, com a necessidade de
dividir a atenção da professora, depois a dividir os amigos, e por aí
afora…
Crianças pequenas tem o pensamento concreto, então não compreendem
muito bem o que não podem ver, como um irmão na barriga da mãe. No
entanto, sentem que aquela situação rouba coisas que até então era só
suas. Aos poucos, a mãe não consegue mais aconchega-lo no seu colo com
tanto conforto, perde um pouco da capacidade de brincar e rolar com eles
como antes. A vida sabiamente vai gradualmente mostrando que as coisas
estão mudando.
Mudanças são ansiogênicas sempre para todos nós, pois trazem consigo o
desconhecido. Portanto, abrir espaço para falar dos temores, seja lá
como eles se manifestam, tratando-os como normais e permitidos facilitam
as coisas e geram menos culpa.
Crianças conhecem o mundo através dos olhos dos pais, por isso,
temos que lidar com estas mudanças como passíveis de serem
administradas, tratando o sofrimento como parte do processo que todos
estão vivendo e como algo que a criança poderá suportar é uma mensagem
que fortalece. Se passamos a tratar o filho mais velho como
coitadinho, pode transmitir a ideia de que as coisas serão mais difíceis
e até mesmo impossíveis de serem metabolizadas.
É importante que os pais se organizem para atender as demandas do
filho mais velho, pois elas irão surgir e são reais. Nos primeiros dias o
pai ou os avós podem ampliar a atenção ao mais velho, pois a mãe,
obrigatoriamente, terá que se voltar mais intensamente para o
recém-nascido e poderá ter algumas limitações decorrentes do pós-parto. Para
isso, durante a vida pregressa, a mãe deve permitir que o filho
estabeleça vínculos fortes com estas pessoas, não monopolizando os
cuidados.
Crianças que crescem excessivamente grudadas em suas mães tenderão a
sofrer mais intensamente, pois não foram preparadas para dividi-la, nem
tão pouco tiveram oportunidade de estabelecer vínculo com outras
pessoas.
Ter um esquema bem montado e permitir que a criança saiba o que irá
acontecer será reconfortante, pois prever o que acontecerá deixará a
criança mais segura. Ela deve saber que vai ganhar um irmão, um
companheiro para a vida toda e que isso é um grande presente, mas não
devemos esquecer que este presente não nasce pronto. No inicio ele irá
dormir, chorar, não lhe dará atenção e exigirá muitos cuidados e saber
isso evita a frustração de expectativas irreais.
As manifestações de ciúme poderão vir de formas e níveis
muito variados e precisam ser reconhecidas e atendidas, pois representam
uma carência afetiva, que pode ser aplacada com doses de carinho e
atenção extras. Um colinho, um abraço, um passeio bacana, uma história…
Aprender a dividir é uma lição riquíssima e nos prepara para a vida,
então, as frustrações e as angustias deste momento tão especial fará
parte da construção da personalidade e permitirá ao filho mais velho
desenvolver recursos internos que tornarão sua vida mais fácil para
sempre e de quebra lhe dará um companheiro para vida toda! Fonte: macetesdemae.com
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