"Pensamentos que não saem da mente acompanhados de rituais complexos e rígidos comprometem a qualidade de vida de quem tem transtorno obsessivo compulsivo"
Jenifer checa a escova de dentes diversas vezes no banheiro para ter
certeza de que não engoliu o objeto. Caio passou três horas em idas e
voltas pela mesma ponte da Marginal Tietê, em São Paulo, sem conseguir
chegar ao seu destino. Gleyce teve um ataque de choro ao ver uma panela
suja na pia de sua casa. Esses são exemplos reais de pessoas com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), uma condição psiquiátrica que atinge ao redor de 8 milhões de brasileiros.
Os três fazem parte de um grupo de discussão sobre o tema no Facebook,
que conta com mais de 12 mil participantes. Eles aceitaram, junto com
outras 37 pessoas, falar sobre o impacto da doença em suas vidas para
esta reportagem – você confere os depoimentos ao longo dela. “O TOC me desconcentra, bagunça minhas relações e faz com que eu fique
viciada em tópicos específicos. Me sinto um disco quebrado, com um
fantasma que não me deixa viver o presente.”
O ponto que une todos os relatos é a frustração com o preconceito
que existe sobre o TOC. Muitos ainda se incomodam com o senso comum,
que encara o assunto como piada ou uma coisa fácil de ser superada. Não
é, não.
Trata-se de um quadro de difícil manejo, marcado por
pensamentos inconvenientes que invadem a cabeça sem aviso prévio. Eles
são seguidos por um rito ou um comportamento repetido, que serve de
escape para acalmar a mente. É o caso do sujeito com um pavor
irracional de bactérias que deixa de tocar em maçanetas e lava as mãos
compulsivamente para não se contaminar.
Apesar de afetar tanta gente, pouco se sabe sobre as origens
do problema. Acreditamos que ele seja o resultado da interação de uma
falha genética com fatores ambientais. Situações como traumas no parto, abuso nos primeiros anos de vida e até infecções estão associadas à gênese do transtorno.
A infância e adolescência,
aliás, são os períodos-chave para o aparecimento dos sintomas iniciais
em mais da metade das vezes. Outras fases e momentos, como o nascimento
de um filho, também contribuem: pais e mães predispostos podem
desenvolver uma preocupação doentia com o bebê que acabou de vir ao
mundo.
O TOC no Brasil
Uma boa notícia é que o Brasil está na vanguarda científica e
obteve avanços memoráveis no que se sabe sobre o transtorno. Em 2003,
experts de diversas universidades se reuniram para formar um time
voltado exclusivamente a pesquisar o TOC. Eles entrevistaram 1 001
portadores espalhados pelos quatro cantos do país.
A partir das informações, montaram o maior banco de dados
sobre o tema do mundo. Esse esforço coletivo já gerou mais de 50
artigos científicos e permite fazer conclusões certeiras que vão
beneficiar diretamente essa comunidade.
Um dos principais achados foi a relação do TOC com uma série
de distúrbios psiquiátricos: 68% dos respondentes sofriam ao mesmo
tempo com depressão, 63% conviviam com quadros de ansiedade generalizada e 35% foram diagnosticados com fobia social. Ou seja: por aqui, ter mais de uma encrenca mental é regra, e não exceção, o que modifica o tratamento receitado.
Os levantamentos ainda mostraram que um terço dos pacientes
já teve desejos de se suicidar e 10% haviam efetivamente tentado se
matar, o que reflete a gravidade desses pensamentos e comportamentos.
É TOC ou não?
Mas como diferenciar uma pessoa com TOC daquela que apenas
gosta das coisas devidamente organizadas? Se os rituais começam a tomar
tempo, interferem na qualidade de vida, atrapalham a capacidade de
estudar e trabalhar ou geram angústia e solidão, é preciso buscar
ajuda.
A preocupação se inicia quando eles ocupam mais de uma hora por dia e
fazem o indivíduo se atrasar ou até desistir de seus compromissos. Fonte: saude.abril.com.br
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