"Gargalhadas são contagiosas. Mulheres riem mais que homens. Chimpanzés adoram cócegas. Com você, a divertida história do riso"
Em janeiro de 1962, um surto de riso num internato para garotas de Kahasha, um pequeno vilarejo na Tanzânia, obrigou o fechamento temporário da escola. A “epidemia” começara da maneira mais simples do mundo. Três alunas desataram a rir – sim, apenas “rá! rá! rá!” – e logo as gargalhadas tomaram conta de outras 95 das 159 meninas do internato. Eram ataques que podiam durar poucos minutos, um par de horas – mas também vários dias. A escola reabriu suas portas quatro meses depois, porém teve que fechá-las novamente em poucas semanas. Tudo porque outras 57 meninas haviam sido contaminadas pelo surto de hilaridade.
As risadas não se restringiram aos corredores da escola. Tal como uma
versão cômica (e benigna) do vírus ebola, a epidemia espalhou-se
rapidamente por alguns grotões do país africano. Como relata Robert R.
Provine, professor de Psicologia e Neurociências na Universidade de
Maryland, Estados Unidos, e autor de Laughter: A Scientific Investigation
(“Risada: uma investigação científica”, ainda sem tradução no Brasil),
logo outras regiões da Tanzânia estavam sofrendo com o surto de
gargalhadas espalhado pelas alunas do internato.
As risadas foram parar em Nshamba, cidade natal de várias garotas.
Mais ou menos 200 dos 10 000 habitantes – ou 2% da população –
contraíram um riso incontrolável, torrencial. (Imagine apenas por um
segundo uma coisa dessas numa cidade como São Paulo, que conta com mais
de 12 milhões de habitantes. Nada menos que 240 000 paulistanos estariam
se contraindo de tanto rir.) Pelos registros apresentados por Provine,
tratava-se de uma epidemia eminentemente feminina: começava com as
adolescentes das escolas, depois passava para suas mães e, em seguida, a
parentada de saias (tias e primas) também ria à larga. Nenhum homem foi
contaminado.
A epidemia só entregou os pontos dois anos depois, em junho de 1964,
deixando um saldo de 1 000 pessoas contaminadas. E só foi possível
debelá-la porque as autoridades locais submeteram as cidades a
quarentena. Sim: quarentena. Ninguém podia entrar ou sair das regiões
atingidas enquanto houvesse alguém gargalhando. Sem achar a menor graça
naquilo tudo, investigou-se a possibilidade de um surto de encefalite ou
mesmo alguma reação tóxica, sabe-se lá. Todos os resultados foram
negativos. A conclusão apelou para a boa e velha psicologia:
presumivelmente, o que houve entre as meninas de Kahasha foi um surto de
histeria.
“O riso coletivo desafia a velha hipótese de que somos criaturas
racionais, com pleno controle sobre o nosso comportamento”, explica
Robert R. Provine. Ele compara a reação das meninas da Tanzânia ao
latido dos cães e ao piar dos pássaros, duas reações coletivas
incontroláveis no reino animal. O ataque geral de riso até pode ser um
traço de união com o resto da natureza, mas o riso – a gargalhada, o
humor, a graça – é um poderoso fenômeno de socialização entre seres
humanos.
Mas o que é o riso? Em que situações ele ocorre? É exclusivamente
humano? Desde que o filósofo grego Aristóteles declarou que “o homem é o
único animal que ri”, um bocado de gente vem quebrando a cabeça nos
últimos 2 000 anos para definir esse fenômeno. Embora a Filosofia
(Platão, Kant, Bergson) e, mais tarde, a Psicologia (Freud) tenham se
debruçado sobre o riso, o fato é que pouco se elucidou a respeito no
mundo das ciências naturais. “Assim como o amor, o riso passou ao largo
do escrutínio dos cientistas”, afirma Robert R. Provine, o primeiro a
admitir que, não fosse o preconceito da academia com o tema, suas
conclusões poderiam ter vindo à tona há pelo menos 300 anos nas mãos de
outro pesquisador.
A ideia central do livro, que sintetiza dez anos de dedicação ao
tema, apresenta o riso como a mais poderosa forma de interação social
entre humanos. Provine, que pesquisou com seus alunos 1 200 situações de
risadas em locais como praças, shopping centers, pátios de
universidades e hospitais, mostra que a risada arreganha as contradições
do nosso comportamento. Somos tão racionais e, no entanto, rimos de
frases que não têm a menor sombra de humor – muitas vezes porque outras
pessoas começaram a rir antes. O motivo é simples, explica o
pesquisador: temos no cérebro mecanismos que detectam e reproduzem o
riso. Esses mecanismos seriam responsáveis por surtos hilários como o da
Tanzânia, por exemplo, e também por outras descobertas ligadas à
capacidade de ambos os sexos de achar graça em determinadas coisas.
Provine arrisca uma explicação evolutiva baseada em observações junto
a uma das mais prestigiadas instituições de pesquisa de primatas do
mundo, o Yerkes Regional Primate Research Center, em Atlanta, no Estado
americano da Geórgia. A risada seria uma “relíquia” vocal de tempos mais
primitivos que coexistiria com a fala humana. Estaria aí, diz Provine, a
razão para o homo sapiens ser dotado de fala e macacos, não. Embora
ambos guinchem coletivamente.
São diferenças sutis – mas que, ao longo da evolução, contaram muito a
favor do gênero humano. A principal característica está na respiração.
Desde que o homem passou a ser bípede, houve um maior controle da
respiração e, consequentemente, um ganho na emissão vocal. Enquanto um
chimpanzé emite seu rá! rá! rá! a cada expiração/inspiração, o
ser humano consegue modulá-lo através da expiração. A íntima relação
entre respiração e vocalização nos chimpanzés explicaria o fato de, até
os dias de hoje, ser muito difícil ensinar a eles palavras que não sejam
apenas monossílabos.
“A risada é um ato de natureza psicológica e biológica que nos
aproxima de nossos primos, os macacos”, diz Provine. E aproxima mesmo. O
naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), em A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais,
já registrava que, se alguém fizesse cócegas num jovem chimpanzé, ele
seria capaz de emitir sons semelhantes a risadas. Talvez cães, como vem
tentando provar uma pesquisa recente levada a cabo por especialistas da
Universidade de Sierra Nevada, Estados Unidos, também sejam capazes de
rir. O estudo levou em conta as alterações na respiração do melhor amigo
do homem. “Durante brincadeiras, cães vocalizam um som semelhante à
risada”, afirma a psicóloga Patricia Simonet, que já publicou uma série
de ensaios sobre o assunto nas principais revistas científicas
americanas.
Seres humanos também costumam gargalhar quando alguém lhe faz cócegas
– em compensação, primatas como o chimpanzé não acham a menor graça nos
episódios de Friends. Entre exemplares do homo sapiens as
cócegas apenas surtem o efeito esperado quando feitas por conhecidos.
“Se um estranho fizer cócegas numa criança, ela gritará de medo”,
escreveu Darwin. Durante sua pesquisa, Provine descobriu que a
importância social das cócegas vai muito além do que se imagina. Por
exemplo: ninguém é capaz de rir das cócegas que faz em si. E (esta é a
melhor parte) se homens e mulheres fazem cócegas um no outro, é romance
na certa.
Aliás, no mundo das risadas, a guerra dos sexos termina em empate
técnico. Se, por um lado, a pesquisa tabulou que elas riem 20% a mais
que eles, por outro, são os homens que conseguem “extrair” um maior
número de risadas das mulheres. (Vai daí, provavelmente, o fato de haver
um maior número de comediantes do sexo masculino. De qualquer modo,
vale a máxima de que, se você quiser ganhar a moça, é preciso fazê-la
rir na sua companhia.)
É isso mesmo. Não adianta ficar com esse cenho franzido. Provine
escarafunchou mais de 3 000 anúncios do tipo “Mulher solteira procura…”
na seção de classificados de jornais americanos como Miami Herald Tribune, Boston Globe e Washington Post.
A conclusão revela a importância que se costuma atribuir ao bom humor
na manutenção de uma relação a dois. Em muitos anúncios, as mulheres
procuravam homens “divertidos” e “engraçados”, enquanto os homens –
afirmando a tese do autor – queriam que elas fosse bem-humoradas.
Outra descoberta da pesquisa aponta para o mundo corporativo. Os
funcionários tendem a rir muito mais das gracinhas do chefe do que de
seus iguais ou subordinados. Uma prova a mais da tremenda função social
do riso: você acha mais graça das bobagens ditas por um diretor do que
da grande piada dita por um assistente.
Mas a importância do riso vai além disso. “O potencial da risada na
saúde ainda não mereceu a devida atenção dos especialistas”, afirma
Provine. Embora filmes como Patch Adams: O Amor É Contagioso
(1998), estrelado pelo comediante Robin Williams e baseado na história
do médico que usava o humor para tratar de seus pacientes, apregoem a
importância terapêutica de uma sonora gargalhada, ainda são poucos os
especialistas em saúde que se interessam pelo assunto.
Há mudanças. A surrada frase “rir é o melhor remédio” parece ter cada
vez mais sentido para a ciência. O cardiologista Michael Miller, da
Universidade de Maryland, Estados Unidos, liderou uma pesquisa sobre os
benefícios do riso para a saúde do coração. Chegou a resultados
surpreendentes. Comparando as atitudes diante da vida de 150 pessoas com
histórico de enfarto com o mesmo número de pessoas sadias, descobriu
que aquelas que nunca tinham sofrido com problemas no coração eram as
que demonstravam bom humor constante. Para evitar problemas cardíacos,
Miller recomenda combinar a velha receita de saúde (exercícios físicos
regulares e dieta balanceada) com algumas gargalhadas durante o dia.
Outro pesquisador interessado no riso é o inglês Richard Wiseman,
professor de Psicologia na Universidade de Hertfordshire, Inglaterra, e
criador, juntamente com a Associação Britânica para o Progresso da
Ciência, do Laugh Lab (“laboratório do riso”). O Laugh Lab mantém um
site para coletar piadas. O pano de fundo é o interesse para descobrir
os mecanismos do humor. Tirando o fato de que a graça de uma piada
depende do bom conhecimento do idioma em que ela está sendo contada
(além da compreensão do contexto cultural, gírias e personagens), a
iniciativa é inédita e parece marcar um ponto de ruptura com a sisudez
da ciência tradicional.
Antes da ciência, o mundo dos espetáculos e do show business já havia
descoberto como tirar proveito da combinação entre piadas e risos. Sabe
aquela risada coletiva que ecoa nos programas humorísticos das tevês do
mundo inteiro e contagia os espectadores? Pois sua forma
“industrializada” existe desde setembro de 1950, quando o seriado cômico
The Hank McCune Show inaugurou a prática de inserir risadas em playback de uma claque especialmente contratada ao final de cada gag
(piada). A invenção foi um sucesso instantâneo e é praticada até os
dias de hoje, mesmo tendo sido considerada, em 1999, uma das 100 Piores
Idéias do Mundo em votação da revista Time. Sem a claque, acredite, a risada que você vê na tela seria muito menos engraçada. Fonte: super.abril.com.br
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